Sunday, May 27, 2007

Paraíso

David foi um homem que percebia de mulheres. Percebia no sentido do que havia a perceber, traduzindo o que sentia numa construção de letras, ritmos e melodias. Sempre o admirei e muito prazer me deu ouvir alguns dos seus poemas em CD, não só pelas palavras mas pela emoção do próprio.
Da poesia parte um outro entendimento, uma visão de olhos fechados que se torna mais nítida mas também menos perceptível ou de entendimento fácil. As palavras acabam sempre por ficar quando tudo o resto já partiu. Fica aqui um "Paraíso"...

Deixa ficar comigo a madrugada,
para que a luz do Sol me não constranja.
Numa taça de sombra estilhaçada,
deita sumo de lua e de laranja.

Arranja uma pianola, um disco, um posto,
onde eu ouça o estertor de uma gaivota...
Crepite, em derredor, o mar de Agosto...
E o outro cheiro, o teu, à minha volta!

Depois, podes partir. Só te aconselho
que acendas, para tudo ser perfeito,
à cabeceira a luz do teu joelho,
entre os lençóis o lume do teu peito...

Podes partir. De nada mais preciso
para a minha ilusão do Paraíso.
David Mourão-Ferreira

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