Friday, October 27, 2006
Na noite
O crepúsculo baixava sobre os seus ombros, qual manto real cobrindo o mais pobre dos pobres. Os seus olhos mantinham-se parados, absortos além, na alma da figura pétrea de D. Sebastião segurando um escudo do peso da nação. O que via nesse acto nem ele mesmo sabia pois nem sabia que o estava a fazer, o Sebastião sempre lhe trouxe algo que ele nunca compreendeu bem, tentava mas não compreendia e como em muito na vida, deixava-se ir. Já as estrelas iam pontilhando o tecto celeste quando despertou da sua bela letargia, foi roçando as solas pela rua áurea abaixo, quem o visse diria que tinha em si toda a propriedade de um lunático mas a tinta de todas as canetas o reconheciam quando se aproximava. E no Terreiro do Paço a noite foi avançando.
Thursday, October 26, 2006
um pouco mais tarde
Encontrava-se à porta do Diário de Notícias, sempre se perguntou o que faziam letras góticas num edifício do Pardal Monteiro e se no último andar do torreão faroleiro as orgias literárias e pouco mais continuariam. Pensando em orgias a sua mente bloqueou, veio-lhe um incenso de salsichas de porco envoltas em mel, um repasto de ovos de codorniz em banho de Porto e mais umas coisas estranhas que não conseguiu trazer à realidade.
Os pensamentos trouxeram incómodo ao estômago magro e hiptonicamente avançou Avenida da Liberdade abaixo, esquecendo por completo o que devia fazer no prédio do Monteiro. Os ténis gastos palmilhavam a calçada central da Avenida, pisando aqui e ali folhas caídas, era como pisar as páginas do Garrett onde, com tanto carinho, depositou o romantismo português de um outro tempo.
Já no final da da calçada, embocado no rossio, parou. Dir-se-ia um serfadita que após longa diáspora chegara a Sião. Chegara e não reconhecera. Tinha já esquecido a razão daquela súbita peregrinação. Roçou mais uns pelos arruivados e lembrou-se que no frontespício da estação do rossio lá estava D. Sebastião, imortalizado numa meninice populuscamente típica de sentimentos revivalistas.
Os pensamentos trouxeram incómodo ao estômago magro e hiptonicamente avançou Avenida da Liberdade abaixo, esquecendo por completo o que devia fazer no prédio do Monteiro. Os ténis gastos palmilhavam a calçada central da Avenida, pisando aqui e ali folhas caídas, era como pisar as páginas do Garrett onde, com tanto carinho, depositou o romantismo português de um outro tempo.
Já no final da da calçada, embocado no rossio, parou. Dir-se-ia um serfadita que após longa diáspora chegara a Sião. Chegara e não reconhecera. Tinha já esquecido a razão daquela súbita peregrinação. Roçou mais uns pelos arruivados e lembrou-se que no frontespício da estação do rossio lá estava D. Sebastião, imortalizado numa meninice populuscamente típica de sentimentos revivalistas.
Wednesday, October 25, 2006
de tarde
Era tarde mas ainda era dia, ou melhor, advinhava-se um sol por detrás do véu de nuvens que percorria todo o horizonte da esfera celeste. Coçou a barba que voltara a crescer, desde manhã, e entre os pequenos ruidos da sua respiração deixava-se ir num pensamento de procura. Procurava, procurava sabe-se lá o quê, ou melhor - quem!?
Possivelmente enredou na sua mente um divertimento a três tempos de uma analogia hindu, no fim de contas há sempre um prazer sardónico pelas coisas que desconhecemos e pelas vozes que ouvimos no espaço oco da nossa mente. Esboçou um sorriso pelo riso curto e infantil que escutou, algo de uma memória feminina que lhe inquinou toda a vida.
Ao lembrar esse riso notou o buraco que estava na sua camisa, era escuro, desfiado, um buraco que ia do peito às costas se por lá decidisse pôr a mão. Continuava a coçar a barba, agora um pouco maior que no tempo da primeira palavra, desligou-se da dor cardíaca e concentrou-se no aqui e agora, estava no metro, na estação errada e completamente atrasado para algo que ele sabia que devia fazer.
Possivelmente enredou na sua mente um divertimento a três tempos de uma analogia hindu, no fim de contas há sempre um prazer sardónico pelas coisas que desconhecemos e pelas vozes que ouvimos no espaço oco da nossa mente. Esboçou um sorriso pelo riso curto e infantil que escutou, algo de uma memória feminina que lhe inquinou toda a vida.
Ao lembrar esse riso notou o buraco que estava na sua camisa, era escuro, desfiado, um buraco que ia do peito às costas se por lá decidisse pôr a mão. Continuava a coçar a barba, agora um pouco maior que no tempo da primeira palavra, desligou-se da dor cardíaca e concentrou-se no aqui e agora, estava no metro, na estação errada e completamente atrasado para algo que ele sabia que devia fazer.
Tuesday, October 24, 2006
No almoço
O guardanapo permanecia religiosamente à sua direita, dobrado ao meio, branco, com depressões e elevações que a qualquer um faria pensar numa qualquer teoria de vida. Cada garfada de ovo deixava um belo rasto amarelo na camisola azul escura de uma certa marca encontrada no supermercado, no fim de contas, o semelhantes atraem-se e no conjunto das situações servem sempre para qualquer espectador os catalogar.
Não se fez de rogado e rapou o prato com o que lhe restava das batatas, fritas já há algum tempo, que de certeza prefeririam ter ido para uma panela lavada onde estariam em sauna. O prato ficou branco, resplandecente, contrastante com o ar do seu parceiro. E foi assim o almoço de um homem que se sentia um novo homem.
Um pormenor... as calças eram verdes e as meias ficaram em casa, no fim de contas, após uma hora de banho quem precisa de meias?
Não se fez de rogado e rapou o prato com o que lhe restava das batatas, fritas já há algum tempo, que de certeza prefeririam ter ido para uma panela lavada onde estariam em sauna. O prato ficou branco, resplandecente, contrastante com o ar do seu parceiro. E foi assim o almoço de um homem que se sentia um novo homem.
Um pormenor... as calças eram verdes e as meias ficaram em casa, no fim de contas, após uma hora de banho quem precisa de meias?
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